Todo relacionamento conjugal, estabelecido pelo casamento ou pela união estável, é regido por um regime de bens, e é ele quem ditará as regras patrimoniais do casal. No entanto, muitos casais deixam de buscar informações qualificadas sobre o impacto de cada regime de bens no patrimônio adquirido antes ou durante a relação.
Da mesma forma, é comum que as uniões estáveis sejam automaticamente submetidas às regras da comunhão parcial de bens, pois esse é o regime legal imposto pela legislação na ausência de uma escolha expressa. Como resultado, muitos casais não exercem sua autonomia privada ao definir as regras patrimoniais que prevalecerão durante o relacionamento, especialmente em uniões informais, e acabam sendo surpreendidos pelas consequências patrimoniais no momento da dissolução da união estável ou do divórcio.
A legislação brasileira dispõe de quatro regime de bens: comunhão universal de bens, comunhão parcial de bens, separação de bens (também chamada convencional de bens) e, ainda, a participação final nos aquestos. Além disso, para pessoas com mais de 70 anos ou que enfrentam impedimentos legais para o casamento, a lei impõe a adoção do regime de separação obrigatória de bens.
Cada um desses regimes gera diferentes consequências jurídicas e patrimoniais no divórcio e na sucessão, podendo impactar significativamente a partilha de bens. Compreender essas regras é essencial para uma gestão patrimonial clara, evitando mal-entendidos e conflitos futuros.
As empresas familiares e sociedades empresariais frequentemente enfrentam desafios quando um dos sócios passa por um processo de divórcio. A falta de um planejamento patrimonial e societário adequado pode colocar em risco a continuidade dos negócios e gerar conflitos societários. Nesse contexto, a escolha do regime de bens no casamento é uma ferramenta essencial para proteger a empresa, garantindo estabilidade e prevenindo a entrada de terceiros no quadro societário.
Quando um sócio é casado, a participação societária pode ser afetada pela partilha de bens, dependendo do regime de bens adotado. Sem um planejamento adequado, o cônjuge ou companheiro do sócio pode reivindicar parte das quotas ou ações da empresa, o que pode levar a: I) conflitos entre herdeiros e demais sócios, ii) risco de entrada do(a) ex-cônjuge na gestão ou decisões empresariais; iii) descapitalização da empresa para pagamento de indenização; iv) instabilidade na continuidade do negócio.
Imagine um empresário que, casado sob o regime de comunhão parcial de bens, constitui uma empresa na constância do casamento ou união estável. Em caso de divórcio, a ex-esposa tem direito a 50% das quotas adquiridas. Se não houver previsão contratual limitando a transmissão das quotas, ela poderá tornar-se sócia ou exigir a venda de parte da empresa para receber sua parte, comprometendo a continuidade do negócio.
Com a adoção do regime da separação total de bens, esse risco seria evitado no divórcio, pois este regime assegura que o patrimônio individual de cada um não se misture durante a vida. No entanto, em caso de falecimento do sócio, o cônjuge ou companheiro, conforme o regime vigente, concorreria com os demais herdeiros e teria direito às quotas da empresa.
Portanto, para a boa organização da empresa é imprescindível que os sócios façam um planejamento matrimonial, com vistas a analisar os reflexos de suas escolhas patrimoniais na empresa e nos negócios. Além disso, utilizar instrumentos complementares para limitar o acesso de eventual cônjuge ou companheiro no negócio poderá fortalecer a proteção da empresa, como por exemplo: um bom acordo de sócios prevendo as regras para transmissão de quotas e de gestão da sociedade. A elaboração de protocolo familiar para empresas familiares, regulando a entrada de familiares na gestão e propriedade. E, ainda, a inclusão de eventuais cláusulas restritivas em contratos sociais.
A escolha consciente do regime de bens é fundamental para a proteção patrimonial e a continuidade das empresas em caso de divórcio dos sócios. Investir em planejamento patrimonial e societário não apenas previne litígios, mas assegura a estabilidade e a perpetuidade da empresa.
Liamara Reis
Especialista em Direito de Família e Sucessões e Planejamento Sucessório