O direito sucessório, em sua essência, aborda um tema inevitável e sensível: a morte. Falar sobre o assunto ainda é tabu para muitas pessoas, especialmente os mais supersticiosos. Contudo, a pandemia de COVID-19, com o expressivo aumento de óbitos, e as recentes discussões sobre a reforma tributária evidenciaram a importância de antecipar reflexões sobre o futuro. Planejar é mais do que pensar na morte; é cuidar da vida, garantindo que as decisões sejam respeitadas e que os legados, sejam eles materiais ou afetivos, sejam transmitidos de forma justa e equilibrada.
Mas o que é o planejamento sucessório? Trata-se de um estudo que permite a adoção de estratégias eficazes para a transferência do patrimônio de uma pessoa após a sua morte. Em outras palavras, é uma organização patrimonial que possibilita ao titular dos bens definir, ainda em vida, a forma de partilha e a gestão do seu patrimônio após o seu falecimento. Esse processo envolve a análise e utilização de ferramentas como doações, testamentos, partilhas em vida, constituição de holdings familiares, escolha do regime de bens, seguros de vida, entre outras.
O planejamento familiar e sucessório, quando bem estruturado, é uma ferramenta valiosa tanto para organização patrimonial pessoal quanto para a continuidade de negócios familiares. Cada caso, contudo, deve ser analisado individualmente, considerando as especificidades do patrimônio e os objetivos familiares, para identificar as soluções mais adequadas.
Impactos da Reforma Tributária no Planejamento Sucessório
A Emenda Constitucional 132/2023, que implementou a Reforma Tributária, trouxe alterações significativas, embora pontuais, no regime de incidência do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação). Ainda que a regulamentação dessas mudanças dependa da aprovação de leis complementares, como o PLP 108/2024, que está em análise no Senado, podemos citar três mudanças que causam impacto nos planejamentos, são elas:
- Mudança na competência para recolhimento do ITCMD: O imposto deverá ser recolhido ao estado onde o de cujus era domiciliado ou o da situação do bem imóvel (art. 155, §1º, I e II), o que elimina a possibilidade de o contribuinte escolher estados com menor carga tributária para a abertura do inventário extrajudicial.
- Progressividade das alíquotas e possibilidade de aumento do teto: O Senado Federal poderá estabelecer as alíquotas máximas do ITCMD, que serão aplicadas de forma progressiva, conforme o valor ou o quinhão da doação recebido. Para o Rio Grande do Sul, esta alteração não trouxe novidades, pois já são aplicadas alíquotas progressivas de 1% a 8%. A insegurança fica por conta da possibilidade de aumento da alíquota máxima pelo Senado, que poderá alcançar até 16%, conforme projeto não diretamente relacionado à reforma (Res 57/2019).
- Novas regras para cobrança de ITCMD em casos de domicílio ou bens no exterior: A reforma traz novas disposições sobre a cobrança do ITCMD em situações envolvendo doadores ou de cujus com domicílio no exterior, ou quando bens herdados estiverem localizados fora do país, ou o inventário for processado em jurisdição estrangeira.
Prevenção de Conflitos e Vantagens do Planejamento
Litígios judiciais envolvendo conflitos familiares são desgastantes e raramente satisfazem todas as partes. Esses litígios podem ser evitados ou minimizados por meio de um planejamento sucessório bem conduzido, que deve contar com a análise de uma equipe multidisciplinar, com profissionais especializados em direito de família, empresarial, contratos e tributário, garantindo uma abordagem abrangente e eficaz.
O planejamento antecipado também oferece vantagens como:
- Celeridade: Reduz o tempo de tramitação dos processos sucessórios/inventário.
- Autonomia: Permite ao titular decidir sobre a destinação do patrimônio.
- Economia: Garante organização fiscal e tributária, com a possibilidade de redução da carga de impostos.
- Preservação patrimonial: Previne a dilapidação dos bens e conflitos entre herdeiros.
- Clareza: Proporciona maior segurança e entendimento para todos os envolvidos quanto ao futuro patrimonial e empresarial.
O momento certo para pensar na sucessão é agora. A escolha das ferramentas corretas exige uma análise profissional detalhada, considerando todos os fatores envolvidos. Mais do que tratar de bens, o planejamento sucessório é um gesto de responsabilidade com aqueles que ficam. Uma coisa é certa: a pior alternativa é não planejar!
Liamara Reis
Especialista em Direito de Família e Sucessões e Planejamento Sucessório