O STF concluiu recentemente o julgamento do Tema 1232, no qual se discutia a possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não participou do processo de conhecimento. A tese de repercussão geral foi assim fixada:
1 – O cumprimento da sentença trabalhista não poderá ser promovido em face de empresa que não tiver participado da fase de conhecimento do processo, devendo o reclamante indicar na petição inicial as pessoas jurídicas corresponsáveis solidárias contra as quais pretende direcionar a execução de eventual título judicial, inclusive nas hipóteses de grupo econômico (art. 2°, §§ 2° e 3°, da CLT), demonstrando concretamente, nesta hipótese, a presença dos requisitos legais;
2 – Admite-se, excepcionalmente, o redirecionamento da execução trabalhista ao terceiro que não participou do processo de conhecimento nas hipóteses de sucessão empresarial (art. 448-A da CLT) e abuso da personalidade jurídica (art. 50 do CC), observado o procedimento previsto no art. 855-A da CLT e nos arts. 133 a 137 do CPC;
3 – Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma Trabalhista de 2017, ressalvada a indiscutibilidade relativa aos casos já transitados em julgado, aos créditos já satisfeitos e às execuções findas ou definitivamente arquivadas.
O entendimento firmado pela Corte Suprema representa uma inflexão relevante na jurisprudência trabalhista, ao estabelecer que a inclusão de empresas integrantes de um mesmo grupo econômico na fase de execução somente é possível mediante a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), observando o procedimento previsto no art. 855-A da CLT e arts. 133 a 137 do CPC.
A decisão rompe com a prática até então consolidada na Justiça do Trabalho, que admitia a responsabilização solidária automática das empresas do grupo, permitindo sua inclusão direta na execução, mesmo sem terem participado da fase de conhecimento do processo.
Nesta sistemática anterior, baseada na Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, prevista no art. 28, do Código de Defesa do Consumidor[1], bastava a comprovação de elementos como administração comum ou simples coordenação entre as empresas para que todas fossem solidariamente responsáveis pelo crédito trabalhista, em nome da proteção ao caráter alimentar do crédito e da efetividade da execução.
Ao julgador o caso, porém, o STF entendeu que esse modelo violava princípios constitucionais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa e determinou que a partir de agora seja aplicada a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, na forma prevista no art. 50 do Código Civil[2], segundo a qual a responsabilização de outras empresas só é possível se houver prova de abuso da personalidade jurídica, fraude, desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Em outras palavras: não basta que as empresas pertençam ao mesmo grupo econômico. É preciso demonstrar um comportamento irregular que justifique a desconsideração da personalidade jurídica — e isso só pode ser feito com a abertura formal do incidente e o respeito ao direito de defesa previsto no art. 5º, inciso LV, da Constituição, cabendo ao juiz da causa avaliar se há realmente um grupo econômico e se ocorreu abuso da personalidade jurídica, conforme as circunstâncias de cada caso.
O novo entendimento do STF afasta a antiga presunção de solidariedade automática entre as empresas de um mesmo grupo. Agora, é necessário apresentar provas robustas para justificar a inclusão de outra pessoa jurídica na execução trabalhista. Essa mudança restabelece o equilíbrio entre a proteção aos direitos do trabalhador e o respeito às garantias processuais das empresas.
Na prática, o julgamento do Tema 1232 traz impactos relevantes para as execuções trabalhistas. Ao exigir a abertura do IDPJ e a comprovação efetiva de fraude, abuso ou confusão patrimonial, a decisão do STF pressupõe a busca um ponto de equilíbrio entre a efetividade da execução e a segurança jurídica das empresas. A decisão reforça que o crédito trabalhista, ainda que tenha natureza alimentar, deve coexistir com o respeito ao devido processo legal e à autonomia patrimonial das pessoas jurídicas.
Os trabalhadores continuam amparados pela possibilidade de alcançar o patrimônio de empresas que utilizem indevidamente a estrutura societária para fraudar credores, enquanto as organizações que atuam de forma regular passam a ter maior previsibilidade e estabilidade em suas relações jurídicas.
Em última análise, portanto, o entendimento consolida um modelo de execução mais técnico e justo, que preserva o caráter protetivo do Direito do Trabalho, mas sem abrir espaço para a responsabilização automática e desproporcional de empresas que integram grupos econômicos legítimos.
Por ter repercussão geral, a decisão do STF tem efeito vinculante, devendo ser seguida por todos os tribunais e juízes do país, inclusive pela Justiça do Trabalho, em todas as instâncias. A tese firmada orienta que a inclusão de empresas do mesmo grupo econômico na fase de execução depende da instauração do IDPJ e da aplicação da Teoria Maior, inclusive nos casos de redirecionamento anteriores à Reforma Trabalhista de 2017 — garantindo uniformidade e segurança jurídica.
Contudo, há alguns limites que devem ser observados: a tese não se aplica a processos já transitados em julgado, a créditos integralmente pagos ou a execuções encerradas ou arquivadas. Nessas situações, prevalece a estabilidade e a segurança das relações processuais.
Além, disso, conforme destacado pelo próprio ministro Dias Toffoli, relator do julgamento, o alcance da decisão se restringe aos casos envolvendo grupo econômico, conforme o conceito previsto no § 2º do art. 2º da CLT[3]. Nas demais hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, que não envolvem grupo econômico, continua aplicável a Teoria Menor, que admite critérios mais flexíveis, como a inexistência de bens da devedora principal. Essa distinção é essencial para evitar interpretações excessivas e garantir que o precedente seja aplicado apenas dentro dos limites efetivamente definidos pelo STF.
Em conclusão, o julgamento do Tema 1232 representa um marco na consolidação de um sistema de execução trabalhista mais justo, técnico e previsível. Ele reafirma que a proteção ao trabalhador deve caminhar lado a lado com a legalidade e a segurança jurídica, princípios igualmente fundamentais para a estabilidade das relações empresariais.
Trata-se, de um precedente paradigmático, que redefine os limites da solidariedade no âmbito trabalhista e impõe às partes — empresas, advogados e magistrados — o dever de atuar com maior rigor técnico, racionalidade jurídica e observância dos princípios da desconsideração da personalidade jurídica.
[1] Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
[2] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
[3] § 2o Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.
Rocheli Kunzel,
OAB/RS 81.795.