Nesse contexto, no que tange à área do direito societário, um dos pontos que merecem especial atenção é a sucessão, a qual envolve a herança do de cujus, prevista em meio às disposições do Código Civil, Lei n. 10406/02, tendo em vista que, atualmente, convivemos com ampla exposição do dia a dia das pessoas no ambiente virtual.
A polêmica que gira em torno da herança digital observa a possibilidade de o acervo online daquele que venha a falecer compor ou não a sua herança – há um conflito entre o direito dos herdeiros e a questão da privacidade do indivíduo, que resulta de um direito humano fundamental.
Isso porque, frente à era digital, existe uma infinidade de pessoas sendo remuneradas a partir de atividades realizadas por meio das redes sociais, como blogueiros, influencers e celebridades. Há geração de renda/patrimônio advindos da divulgação de produtos e serviços, logo, resta verificada a monetização dos acessos de usuários aos seus conteúdos, sendo que os perfis online, muitas vezes com milhares ou até milhões de seguidores, representam um ativo de grande valor patrimonial.
Diante disso, surge a dúvida de como preservar direitos básicos como privacidade e intimidade no âmbito da vida pessoal virtual desses sujeitos após a morte, de modo a limitar o acesso dos herdeiros às suas senhas, redes sociais, contas de internet, dentre outros meios.
O testamento mostra-se ferramenta essencial nesse cenário, uma vez que, através dele, é verificada a vontade do de cujus no que tange ao seu acervo digital, com a indicação do que deve ser deletado em decorrência de seu falecimento. Como consequência, evitam-se conflitos entre os herdeiros, ou, até mesmo, eventual decisão judicial que investigue o seu aparato virtual posteriormente à perda se seus sinais vitais.
Transformar a conta desses indivíduos em uma espécie de memorial rentável é vista como alternativa para sanar a questão. A partir dele, torna-se possível aos herdeiros administrá-la sem ter acesso aos seus elementos pessoais ou privados (caixa de mensagens, atividades, e-mails, dentre outros conteúdos), ou seja, será oportunizada aos sucessores a exploração econômica da rede social, bem como o contato com rendas e proventos.
Isso porque, na hipótese de inexistir testamento, o único motivo visto como plausível para avançar no âmbito íntimo e privado da vida do sujeito é o benefício econômico a ser obtido por parte dos sucessores. Assim, sendo o falecido pessoa “comum”, ou seja, que não contrai patrimônio trabalhando em plataformas digitais, não resta vislumbrada justificativa para que os herdeiros tenham qualquer tipo de contato com o seu ambiente virtual.
Atualmente, a herança digital não está contemplada na legislação, logo, vê-se como ideal e de extrema relevância sua normatização para que proteja a esfera privada relativa à vida cibernética do de cujus, e, concomitantemente, preserve o direito à herança conferido aos seus sucessores.
Mostra-se essencial que os regramentos acerca do conteúdo observem o texto da Lei Geral de Proteção de Dados, n. 13709/18, em voga atualmente, para que, conforme os seus fundamentos, princípios e demais elementos, seja conferida a devida preservação de aspectos essenciais, estritamente relacionados com o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana.
Por Tábata Faleiro | OAB/RS 118.611