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Impactos iniciais da Reforma Tributária no setor educacional

Impactos iniciais da Reforma Tributária no setor educacional

* Artigo escrito em parceria com o Blog do SuperApp Diário Escola

 

Após mais de duas décadas de tramitação, a Reforma Tributária finalmente foi aprovada através da Emenda Constitucional 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar 214/2025, representando a mais profunda transformação no sistema fiscal brasileiro desde a Constituição de 1988.

A Reforma surge como resposta a um sistema tributário reconhecidamente complexo e excessivamente oneroso para a economia do país. Esta complexidade não é apenas um incômodo administrativo, mas representa um custo econômico real que poderia ser direcionado para atividades produtivas.

A principal mudança trazida pela Reforma é a unificação de cinco tributos sobre consumo (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) em apenas dois novos tributos. O IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) unificou o ICMS e o ISS, enquanto a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) consolidou PIS, COFINS e IPI. Esta simplificação, por si só, já representa um avanço significativo.

A ideia central da Reforma é a adoção do modelo de tributação sobre valor agregado, conhecido internacionalmente como IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Neste sistema, em cada etapa da cadeia produtiva, o contribuinte paga imposto apenas sobre o valor que efetivamente agregou ao produto ou serviço. No Brasil, este princípio é chamado de não-cumulatividade, e funciona através de um mecanismo de créditos e débitos: a empresa cobra o imposto sobre suas vendas, mas pode abater o imposto que pagou em suas compras, recolhendo apenas a diferença.

A implementação da Reforma iniciará em janeiro de 2026, de forma gradual, e se estenderá até 2033. Este longo período de transição tem deixado instituições de ensino, tanto com quanto sem fins lucrativos, atentas e preocupadas com os efeitos práticos da mudança.

O setor educacional foi objeto de intensos debates e negociações durante a tramitação da Reforma. O resultado foi a concessão de uma redução de 60% nas alíquotas dos novos tributos para serviços educacionais. Segundo o discurso oficial, isso representa um grande benefício para o setor. Mas será que esta redução se traduz, na prática, em economia real para as escolas? É exatamente esta questão que abordaremos neste texto.

A ESTRUTURA SINGULAR DO SETOR EDUCACIONAL

Antes de analisarmos os efeitos práticos da redução de 60%, é fundamental compreender o que torna o setor educacional único do ponto de vista tributário. A diferença essencial está na estrutura de custos. Enquanto na indústria e no comércio a maior parte dos custos está associada à aquisição de insumos físicos – que geram créditos tributários no sistema de IVA – no setor educacional a realidade é completamente diferente.

As instituições de ensino apresentam uma estrutura de custos dominada pela folha de pagamento, representando seu principal custo operacional, correspondendo a uma parcela significativa da receita bruta. Este custo pode variar conforme o porte e o posicionamento da instituição, mas invariavelmente ocupa posição central no orçamento.

Este dado é absolutamente fundamental para compreendermos o impacto real da Reforma. Professores, coordenadores pedagógicos, diretores e demais profissionais da educação são indispensáveis para a entrega de um serviço educacional de qualidade. Seus salários constituem a espinha dorsal do orçamento escolar. Trata-se de um custo estrutural, inerente à natureza do serviço educacional, que é essencialmente intensivo em capital humano.

O problema, do ponto de vista tributário, é simples e direto: salários não geram créditos de IVA. O novo sistema funciona sob o princípio da não-cumulatividade – a empresa cobra o imposto sobre suas vendas (débito), mas pode abater o imposto que pagou em suas compras (crédito), recolhendo apenas a diferença. Este mecanismo é extremamente eficiente para eliminar o efeito cascata que caracterizava o sistema anterior. Mas pressupõe que a empresa tenha, de fato, compras tributadas que gerem créditos. No caso das escolas, a maior parte dos custos simplesmente não se enquadra nesta categoria. Salários são remuneração de trabalho, não aquisição de bens ou serviços tributados pelo IVA.

Além da folha de pagamento, outros custos significativos das escolas também geram créditos limitados ou nulos. O aluguel, que representa um custo relevante, pode ou não gerar crédito dependendo de o proprietário do imóvel ser pessoa física ou jurídica e de como a transação é estruturada. Mesmo quando gera crédito, este é frequentemente parcial. Impostos sobre a receita e o lucro obviamente não geram créditos no novo sistema – são categorias tributárias distintas.

Somando-se esses itens, chegamos a uma conclusão importante: a maior parte dos custos de uma escola típica não produz créditos aproveitáveis de IVA. Isso significa que, embora a alíquota nominal seja reduzida, a capacidade de recuperar impostos pagos é muito limitada.

Para ilustrar esta diferença de forma clara, vale comparar com uma indústria manufatureira. Uma fábrica de móveis, por exemplo, adquire madeira, pregos, cola, verniz, maquinário e energia elétrica – todos insumos que, no novo sistema, gerarão créditos plenos de IVA. A folha de pagamento da fábrica, embora significativa, representa uma parcela menor dos custos totais quando comparada ao setor educacional. O resultado prático é que a indústria consegue recuperar a maior parte do IVA que paga, enquanto a escola recupera apenas uma fração. Esta diferença fundamental explica por que setores distintos da economia experimentarão impactos radicalmente diferentes da mesma reforma tributária.

A TRANSIÇÃO GRADUAL: 2026 A 2033

A implementação da Reforma Tributária não acontecerá de uma só vez. O legislador estabeleceu um período de transição de sete anos, que se estenderá de 2026 a 2033.

Em 2026, teremos o início do período de testes. A CBS e o IBS serão cobrados com alíquotas reduzidas, mas os tributos antigos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) continuarão sendo cobrados integralmente. Este ano funcionará como um laboratório, permitindo que empresas e governos testem os sistemas e façam ajustes necessários.

A partir de 2027, começa efetivamente a transição. Os tributos antigos serão reduzidos gradualmente, enquanto as alíquotas da CBS e do IBS aumentarão proporcionalmente. A cada ano, uma parcela maior da carga tributária será transferida do sistema antigo para o novo. Somente em 2033 os tributos antigos serão completamente extintos.

Durante este período, as empresas precisarão conviver com dois sistemas paralelos. Para as escolas, isso representa tanto um desafio quanto uma oportunidade. O desafio está na complexidade administrativa de gerenciar dois sistemas simultaneamente. A oportunidade está no tempo disponível para ajustes estratégicos graduais, permitindo que as instituições implementem mudanças operacionais para minimizar o impacto financeiro da reforma.

A CONTRADIÇÃO DA REDUÇÃO DE 60%

Voltemos agora à questão central: o que significa, na prática, a redução de 60% nas alíquotas para o setor educacional?

A alíquota padrão do novo IVA brasileiro (CBS + IBS) está estimada em patamares elevados. Com a redução de 60%, o setor educacional pagará uma alíquota consideravelmente menor. À primeira vista, isso parece extremamente favorável e representa, de fato, um reconhecimento da importância da educação.

No entanto, quando analisamos a situação atual de uma escola típica, especialmente aquelas enquadradas no regime de Lucro Real, descobrimos que a realidade é consideravelmente mais complexa.

Hoje, uma escola no Lucro Real paga uma combinação de ISS, PIS e COFINS sobre sua receita. Com os créditos limitados disponíveis no sistema atual, a carga efetiva representa uma parcela significativa da receita. Adicionalmente, há ICMS e IPI embutidos nas compras de materiais, equipamentos e energia, que não são recuperáveis, aumentando ainda mais a carga tributária total sobre consumo.

Com a Reforma, a alíquota nominal será reduzida. Mas aqui entra o primeiro problema: os créditos limitados. Como vimos anteriormente, apenas uma fração dos custos de uma escola gera créditos de IVA, devido à predominância da folha de pagamento. Isso significa que a carga tributária efetiva não será tão baixa quanto a alíquota nominal sugere.

Porém, há um segundo problema que frequentemente é negligenciado nas análises: o repasse de custos pelos fornecedores. Todas as empresas que prestam serviços para as escolas – limpeza, segurança, manutenção, alimentação, consultoria – também serão impactadas pela reforma. Muitas delas, especialmente as intensivas em mão de obra, terão aumentos significativos de custos tributários. E esses aumentos serão inevitavelmente repassados aos seus clientes, incluindo as escolas.

Estimativas conservadoras sugerem que os preços desses fornecedores aumentarão de forma relevante. Para uma escola onde uma parcela considerável dos custos vem de fornecedores terceirizados, esse aumento nos preços dos fornecedores representa um impacto significativo sobre a receita total da escola.

Quando somamos o impacto direto com o impacto indireto do repasse de custos pelos fornecedores, descobrimos que, para muitas escolas, especialmente aquelas no Lucro Real em municípios com ISS baixo, o resultado líquido pode ser praticamente neutro ou até ligeiramente negativo. A tendência é que a prometida economia simplesmente não se materializa.

Está contradição – redução de 60% na alíquota que não resulta em economia real – é resultado direto da estrutura de custos peculiar do setor educacional e da mecânica do sistema de IVA.

ESTRATÉGIAS PARA O NOVO CENÁRIO

Diante deste cenário desafiador, as instituições de ensino precisam adotar estratégias para minimizar os impactos negativos e transformar este desafio em oportunidade.

A primeira estratégia é a otimização rigorosa da estrutura de custos. Isso inclui a implementação de sistemas integrados de gestão escolar para automatizar processos administrativos, a gestão eficaz de inadimplência, e a renegociação de contratos com fornecedores.

A segunda estratégia é a comunicação transparente. Quando chegar o momento de reajustar mensalidades, será fundamental explicar claramente as razões. Cabe à escola educar sua comunidade sobre o que está mudando e por que isso afeta os custos. Transparência gera confiança, e confiança gera lealdade.

Por fim, o período de transição de 2026 a 2033 oferece tempo para ajustes graduais. Instituições que começarem agora a implementar mudanças estratégicas poderão distribuir os ajustes ao longo de vários anos, tornando-os mais digeríveis para as famílias.

CONCLUSÃO

A Reforma Tributária brasileira é, sem dúvida, um avanço significativo na modernização do sistema fiscal do país. A simplificação administrativa é real e bem-vinda. A maior previsibilidade facilitará o planejamento de longo prazo. Estes benefícios não devem ser minimizados.

No entanto, para o setor educacional, a promessa de alívio fiscal através da redução de 60% nas alíquotas é, em grande medida, ilusória. A estrutura de custos peculiar do setor, dominada por folha de pagamento que não gera créditos tributários, combinada com o repasse de aumentos por fornecedores, resultará, para muitas instituições, em impacto neutro ou até ligeiramente negativo ao invés de economia significativa.

O período de transição de 2026 a 2033 oferece uma janela de oportunidade para ajustes estratégicos. Instituições que começarem agora a otimizar custos, investir em diferenciação e fortalecer o relacionamento com suas comunidades estarão bem posicionadas para se fortalecer durante a transição.

O crescimento no novo cenário fiscal não virá de um capital liberado por economia tributária – porque, para a maioria das escolas, tal capital não existirá. Virá, sim, da disciplina de otimizar operações e da transparência na comunicação. Este é o desafio, mas também a oportunidade, que a Reforma Tributária apresenta ao setor educacional brasileiro.

 

Tiago Nesello Vitório,

OAB/RS 87.123.

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