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Benefícios Trabalhistas, Créditos Tributários e o novo(?) papel dos sindicatos

Benefícios Trabalhistas, Créditos Tributários e o novo(?) papel dos sindicatos

Introdução

A Reforma Tributária, promulgada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, está promovendo mudanças significativas no sistema tributário nacional. Entre as principais alterações, está a unificação de diversos impostos em apenas dois: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços).

Estes serão os pilares da simplificação tributária, cujo princípio é a não cumulatividade, sistema no qual os tributos pagos ao longo da cadeia geram créditos imediatos.

Crédito tributário sujeito à negociação coletiva

Embora a reforma tenha como impacto imediato a reorganização da arquitetura fiscal-tributária das empresas, há um efeito menos evidente – mas que também afeta financeiramente as empresas – que merece ser destacado. Ao regulamentar o IBS e a CBS, a LC nº. 214/2025 está produzindo uma transformação silenciosa, porém profunda, na relação entre tributação, relações de trabalho e negociação coletiva.

Se, por um lado, a reforma simplifica tributos e redefine modelos de crédito fiscal, por outro recoloca os sindicatos no centro do processo negocial, ao vincular o aproveitamento de determinados benefícios empresariais à formalização desses direitos em instrumentos coletivos.

O art. 57, §3º, IV, alínea “f’, [1]da LC nº. 214/2025 estabelece que determinados dispêndios com empregados — como plano de saúde, vale-alimentação, vale-transporte e bônus concedidos por liberalidade empresarial — somente poderão gerar crédito de IBS/CBS se estiverem expressamente previstos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

Em outras palavras, a reforma foi muito além da simples reorganização de impostos: ela redefiniu a forma como os benefícios trabalhistas são tratados tributariamente, vinculando sua eficácia fiscal à legitimidade conferida pela negociação coletiva.

O que muda na prática para as empresas

A inovação legislativa trouxe três efeitos relevantes:

1) Crédito tributário condicionado a negociação coletiva: se o benefício não estiver negociado com o sindicato, não haverá crédito.

2) Políticas internas e atos unilaterais perdem relevância fiscal: programas internos, circulares e regulamentos deixam de influenciar no aproveitamento de crédito.

3) Negociação individual perde espaço: contratos individuais de trabalho passam a ser insuficientes para gerar efeitos tributários relevantes.

Na prática, se hoje a empresa paga plano de saúde, vale alimentação, vale transporte ou outro benefício, de acordo com alguma política interna, o gasto é dedutível de acordo as regras de cada benefício e gera um crédito fiscal. Com a reforma, só haverá crédito de IBS/CBS se o benefício for negociado e estiver previsto em acordo coletivo ou convenção coletiva.

Até agora, cláusulas previstas em contratos individuais de trabalho poderiam sustentar o crédito tributário. Por exemplo, a empresa poderia ajustar com determinado empregado que custearia seu plano de saúde e este documento mais a documentação contábil era suficiente para obter crédito tributário. A partir da entrada em vigor da reforma tributária, o contrato não é mais base normativa válida para crédito fiscal. Pode haver continuar havendo pactuação individual, mas necessariamente deverá haver previsão normativa prévia.

Por que isso é relevante?

O raciocínio econômico é direto: empresas com folhas robustas podem deixar de aproveitar milhões em créditos se mantiverem benefícios fora da esfera coletiva. Muitas empresas negociam individualmente com empregados, espeialmente os que exercem cargos de alto nível, os mais variados benefícios – auxílio moradia; subsídio de mobilidade; ajuda de custo; vale alimentação -. Tudo isso perderá potência fiscal se não estiver negociado coletivamente.

Se deixa de aproveitar créditos, o custo líquido sobe e a empresa estará perdendo competitividade e espaço no mercado. Portanto, mais do que impacto tributário direto, ainda que de forma menos alarmante, a reforma está promovendo trazendo um efeito cascata para as empresas, inclusive na esfera trabalhista.

A Reforma Tributária recoloca os sindicatos no centro do jogo?

A Reforma Tributária, que à primeira vista parece ser um tema exclusivamente fiscal, acaba descrevendo um movimento de revalorização institucional dos sindicatos.

Não se trata de mero acaso, mas sim de estratégia! Ao condicionar créditos tributários a cláusulas coletivas, o legislador recoloca o sindicato como interlocutor necessário, devolvendo-lhe relevância negocial e, indiretamente, promovendo o seu fortalecimento financeiro.

Após o esvaziamento da função sindical indiretamente provocado pela Reforma Trabalhista de 2017, que reduziu as fontes de financiamento dos sindicatos e garantiu relevância a autonomia da vontade das partes, ao que tudo indica, a intenção é clara: promover uma recomposição institucional.

Veja-se que, diante da inviabilidade de reintrodução da contribuição sindical compulsória, excluída do ordenamento jurídico pela reforma de 2017, adotou-se um mecanismo indireto de fortalecimento dos sindicatos: se empresa quiser mais crédito tributário, terá que negociar coletivamente.

Não se trata de obrigar empresas a firmarem acordos, mas o sistema torna essa opção mais vantajosa. É um modelo de financiamento indireto, via fortalecimento da função negocial. Ou seja, os sindicatos passam a figurar como interlocutores tributários ou guardiões do crédito fiscal trabalhista.

Impactos e respostas imediatas por parte das empresas

A partir do momento em que o crédito de IBS/CBS passa a depender de previsão em acordo ou convenção coletiva, as empresas enfrentam uma mudança operacional e estratégica imediata. O primeiro impacto é a necessidade de revisão urgente das políticas internas de benefícios, especialmente plano de saúde, vale-alimentação, vale-transporte e quaisquer vantagens concedidas por liberalidade.

Outro efeito imediato é o encurtamento do ciclo decisório: benefícios não podem mais ser criados ou ampliados por ato interno do RH sem avaliação jurídica e sindical. A empresa passa a depender de calendários de negociação, procedimentos de assembleia e interlocução formal com os sindicatos — o que exige preparo técnico e tempo.

Além disso, há impacto financeiro direto: empresas que já concedem benefícios sem previsão coletiva podem perder créditos relevantes nos primeiros meses de vigência da nova sistemática, até que consigam negociar e registrar as cláusulas pertinentes. Setores com folha robusta e grande pacote de benefícios são os mais afetados.

Outro ponto crítico é a necessidade de integração entre as áreas tributária, trabalhista e de recursos humanos. Antes, benefícios eram tratados majoritariamente como despesas trabalhistas; agora, tornam-se também ativos fiscais condicionados à negociação coletiva, o que exige controle documental, compliance e governança.

Por fim, cria-se uma pressão organizacional: empresas terão de fortalecer sua capacidade de diálogo com sindicatos, reestruturar pautas anuais de negociação, elaborar cláusulas técnicas e adotar estratégias preventivas para não perder créditos nem inflacionar seus custos trabalhistas.

Portanto, é urgente que a empresas adotem as seguintes medidas:

1) Revisão urgente de benefícios

2) Ajuste do processo decisório interno

3) Mitigação de perdas fiscais

4) Integração de áreas internas

5) Reforço da interlocução sindical

Não se pode mais pensar na concessão de benefícios trabalhistas sem planejamento prévio, sob pena de virar custo tributário integral, ou seja, aumento do custo líquido e, consequentemente, perda de referência no mercado. Além disso, a condução estratégica das negociações com sindicatos que até então era tratada como mera formalidade, passa a integrar a pauta empresarial como tema relevante e obrigatório.

Por fim, em se tratando de aproveitamento de créditos fiscais, a documentação que embasa a concessão dos benefícios trabalhistas também passa a ser auditada pela Receita Federal, exigindo-se transparência para fins de ser reconhecida a norma coletiva como instrumento fiscal.

Conclusão

A Reforma Tributária inaugurou um novo paradigma: benefícios trabalhistas só produzirão efeitos fiscais relevantes quando negociados coletivamente. Isso exige das empresas uma revisão imediata de suas políticas internas, integração entre áreas tributária e trabalhista e fortalecimento do diálogo sindical. Deixar de se adequar significa aumentar custos, perder créditos e reduzir competitividade.

Em síntese, a negociação coletiva passa a ocupar papel estratégico na gestão tributária, e as empresas que ajustarem rapidamente seus processos estarão melhor preparadas para capturar benefícios, mitigar riscos e atuar com segurança no novo ambiente regulatório.

 

Rocheli Kunzel, 

OAB/RS 81.795.

 

[1] f) serviços de planos de assistência à saúde e de fornecimento de vale-transporte, de vale-refeição e vale-alimentação destinados a empregados e seus dependentes em decorrência de acordo ou convenção coletiva de trabalho, sendo os créditos na aquisição desses serviços equivalentes aos respectivos débitos do fornecedor apurados e extintos de acordo com o disposto nos regimes específicos de planos de assistência à saúde e de serviços financeiros;

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